domingo, 22 de julho de 2012

Como se faz um filme brasileiro?



Enquanto na Europa os cineastas e artistas em geral sofrem os efeitos de décadas de demagogia estatal e “políticas de incentivo”, no Brasil os produtores culturais vivem uma lua de mel com eles mesmos (e com os governos, obviamente). Preocupação com recursos? Por quê? Eles são ilimitados!

Anos e anos de incentivos fiscais e políticas de proteção a “manifestações culturais”, a setores improdutivos da indústria e a manutenção de privilégios a grupos de interesse certamente contribuíram para a penúria financeira na qual se encontra a maioria dos países europeus. Há uma relação lógica e quase direta entre “política de privilégios no passado” e “estagnação e crise no presente e futuro”, ao menos em se tratando de políticas culturais. Acostumados a fazer filmes com dinheiro público, os produtores europeus agora precisam se adaptar a uma realidade nova que lhes é absolutamente inusitada: trabalhar com menos dinheiro, ganhando menos e preocupados em garantir, nas receitas dos filmes presentes, a própria continuidade da produção.

Na Espanha, “O governo fez um corte de dimensões maiúsculas nos auxílios à produção de filmes, aos festivais e à promoção do cinema no exterior”, segundo o El Pais (http://blogs.estadao.com.br/radar-economico/2012/04/03/el-pais-crise-poe-cinema-espanhol-em-situacao-critica/).

...outros países, cujos governos são liderados por conservadores ou tecnocratas -como a Itália, a Hungria, a Holanda e o Reino Unido- tiveram seus orçamentos culturais cortados. A mesma coisa aconteceu com outros --Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda-- que estão sendo forçados a reduzir seus gastos públicos para permanecerem na zona do euro. (...) No caso da Holanda, o orçamento de cultura será reduzido em aproximadamente US$ 265 milhões (25%) até o início de 2013... (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/34694-cortes-na-cultura-abalam-a-europa.shtml)

É interessante notar que a decadência estética do cinema europeu parece relacionada diretamente com o aumento da presença estatal no financiamento dos filmes. Embora os governos sempre tenham sido presentes no “incentivo” a essa indústria na Europa, jamais tantos filmes foram feitos utilizando tamanha proporção em recursos públicos quanto nas últimas duas décadas. Basta observar entre tais filmes a quantidade de fundos de investimento estatal e empresas cinematográficas controladas pelos governos estampando seus nomes dos créditos de abertura. Ao mesmo tempo em que crescia em atividade e aumentava sua relação de dependência junto a políticos e burocratas, os filmes europeus perdiam terreno artístico e de mercado para indústrias mais abertas, como a sul-coreana e a chinesa de Hong Kong.

Mas agora isso tudo é passado. Oxalá também se tornem peças de museu filmes “de nicho”, esquisitos e voltados unicamente para comissões de seleção em festivais, europeus pagos exclusivamente com dinheiro público e repletos de desprezo pelo “espectador comum” de filmes (do qual os esquerdistas de Hollywood jamais se esqueceram). Se quiser sobrevivência, o cinema europeu terá necessariamente de reconciliar-se com o grande público e reinventar-se mais barato, mais essencial e mais internacional (no Brasil, por exemplo, filmes europeus ainda são sinônimo de circuito alternativo e bocejos).

Entre nós, contudo, os cineastas jamais puderam ser tão felizes. Nunca houve tanto dinheiro público para filmes quanto agora. Quando parece que a fonte vai parar de crescer (jamais secar), a burocracia inventa algum novo dispositivo legal, abraçado prontamente por parlamentares não raro semialfabetizados que jamais confrontariam intelectuais ruidosos que eles imaginam, erroneamente, ser muito mais “intelectualizados” que eles mesmos.

É de se prever para um futuro (talvez, ainda distante) uma crise semelhante no cinema brasileiro àquela dos produtores europeus. Muitos anos de muito dinheiro público inevitavelmente produzirão gerações inteiras de cineastas despreocupados com a audiência, gastões alimentando egos enormes para os quais todo o dinheiro do mundo não será suficiente.
Quando perguntado recentemente a respeito do “tamanho” do orçamento de seu mais recente filme (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/34499-tal-pai-tal-filho.shtml), um conhecido cineasta tupiniquim respondeu: “Já está em mais de 12 milhões”. Como assim, “já está”? Um orçamento de um filme é como o mapa do campo de batalha para um general: deve ser conhecido milimetricamente. Orçamento não é bilheteria, que pode (ao menos deveria...) crescer até o infinito.

A verdade é que ninguém no Brasil está preocupado com o orçamento dos filmes produzidos: em primeiro lugar, porque o dinheiro não é de ninguém (é público, na verdade, o que dá quase na mesma). Em segundo lugar, porque independente do que se faça com o orçamento do filme atual (aquele que “não para de crescer”), o do filme seguinte já está garantido. O cineasta do exemplo já fez outro filme, sem que o anterior houvesse estreado, pela bagatela de 5 milhões de reais (em grana pública, lógico: http://sif.ancine.gov.br/projetosaudiovisuais/ConsultaProjetosAudiovisuais.do?method=detalharProjeto&numSalic=090176). Se segura, Almodóvar: nossos cineastas estão chegando... 

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