segunda-feira, 30 de julho de 2012

Lixo que se acha gênio

'Cinema brasileiro é feito por babacas', diz cineasta Claudio Assis
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Diretor lança 'Febre do rato' para mostrar que não é violento: 'Sou poesia'. 
Ele critica a comédia 'E aí... Comeu?', que estreia também nesta sexta-feira.
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Claudio Assis fez um filme de resposta. Um de seus desejos remete à postura de Zagallo, ex-técnico da seleção brasileira de futebol, em 1997, na Copa América. “Agora vão ter que me engolir. Vocês não queriam que eu contasse as histórias de forma diferente? Estou fazendo poesia. É isso que eu sou, um poeta”, afirma o diretor, em entrevista ao G1 para divulgação de "Febre do rato", que estreia nesta sexta-feira (22), em São Paulo, no Rio e no Recife.
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Em seu terceiro longa, ele se defende do estigma de ser provocador e violento, adjetivos com os quais se recusa a concordar. Para o cineasta, violência é permitir a veiculação em nível nacional de um filme como “E aí... Comeu?”, de Felipe Joffily, que estreia na sexta. “É isso que está educando a sociedade? Isso é nojeira, excrescência, escraviza o olhar. Esse povo [cineastas] é desnecessário.”
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As estilingadas miram a produção nacional. “O cinema é feito por babacas, muito pior do que filhos da p... Tem muita coisa boa sendo produzida no Ceará, em Pernambuco, mas sem acesso. Não faço cinema pra comprar um apartamento na Avenida Vieira Souto, no Rio. Cinema não é vender Coca-Cola", assevera.
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Destaque no Festival de Paulínia
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No filme, Zizo, personagem principal, é um poeta anarquista que vive de divulgar suas ideias no jornal que ele mesmo produz. A expressão popular típica do Nordeste brasileiro que dá nome ao filme batiza o fanzine do protagonista. “Febre do rato” significa algo que está fora do controle. As convicções do protagonista são abaladas quando ele conhece Eneida, uma jovem de 18 anos, por quem se apaixona.
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A nova produção arrebatou oito prêmios no Paulínia Festival de Cinema, em 2011. Muito se vê do diretor no personagem principal, incorporado por Irandhyr Santos, novo coringa nos trabalhos de Claudio Assis. O cineasta assume que Zizo é uma espécie de autorrepresentação, mas também se projeta no coveiro apaixonado por um travesti, vivido por Matheus Nachtergaele. "Sou o cara que cobra atitude, mudança. Sou o poeta, quero transar com a linda e gostosa, mas também posso sentir amor por um travesti."
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O tom elevado nas respostas dá lugar à voz embargada e ao choro quando o diretor endossa o que pretende com o filme. “Fico emocionado, porque os que me criticam são uns medíocres. O que eu quero é falar com a juventude. Fiz pra eles, para cobrar mudança, atitude. Cinema é caráter.” Ele sonha que “Febre do rato" tenha repercussão numérica. “Amarelo manga” (2002) e “Baixio das bestas” (2006) foram recebidos com mais estranheza do que bilheteria. “Se esse filme der certo, vai ter uma explosão de cinema neste país. Quero muito que as pessoas vejam, se interessem. É um filme libertário.”
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Novo de novo
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Nudez, sexo e drogas seguem presentes no terceiro longa do diretor, agora encapado com poesia, vestimenta reforçada pela escolha do preto e branco nas imagens. A fotografia de Walter Carvalho impõe um novo olhar sobre Recife, onde o filme foi rodado. “Se fosse colorido, ninguém conseguiria ver a beleza do que nós queríamos mostrar. É uma produção pra ser vista e revista”, explica o diretor.
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Matheus Nachtergaele faz a sua terceira parceria com Assis. Para ele, a recente produção reafirma as ideias que o diretor propaga desde o início da carreira. “O cinema do Claudio é uma bela raiva. Estamos repetindo tudo que gritamos desde 'Amarelo manga'. Fazemos isso à exaustão há dez anos e ainda precisamos berrar. Não entendo a razão das pessoas se chocarem com esses filmes. Nossa poesia está cercada e o livre amor também. Vivemos um momento perigoso.”

"Febre do rato" exige o amor em suas múltiplas formas e combinações. Seminu, o protagonista passa boa parte do filme transando com mulheres mais idosas e recitando poemas nos diálogos que mantém com os demais personagens.
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Irandhyr Santos revela que precisou entender para quem, quando e como tinham sido feitas as poesias, escritas ao longo de anos pelo roteirista Hilton Lacerda. “Estava com dificuldade de representar o personagem. Foi o mais complexo da minha carreira. Pedi ajuda ao Hilton para compreender o contexto do que ele produziu. Só assim eu consegui me apropriar das falas", comenta o ator, que também buscou referências nas músicas dos cantores Otto e Lirinha.
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As cenas de sexo explícito, masturbação e o próprio nu frontal pouco afetam quem escolhe trabalhar com Claudio Assis. "Não coloco uma vagina ou um pênis na tela porque eu quero. É para contar uma história. As pessoas se chocam com isso por qual razão? Todo mundo têm, nasceu assim. Fellini [cineasta italiano] já usava o realismo."
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Mariana Nunes é novata no elenco. Sempre admirou o cineasta, mas questionava se conseguiria entendê-lo caso viessem a trabalhar juntos. “É desafiador. Ele me cobrava transparência, verdade. Provoca o ator de uma forma estimulante, exigindo entrega. Sinto que consegui compreender e dar conta.” Ela faz o papel de Rosângela, uma mulher que mora com o namorado traficante e mais dois rapazes – com os quais também mantém relações afetivas e sexuais – em uma fábrica abandonada. Todos eles são amigos do poeta Zizo.
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Coletivo de profissionais
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Após 10 anos na estrada, Claudio formou uma espécie de coletivo de profissionais graúdos com quem gosta e quer de trabalhar. A relação de fidelidade é uma via de mão dupla. Dira Paes não pôde assumir um papel por conta de agenda, mas ao visitar o set das filmagens, participou de uma das cenas de "Febre do rato".
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“O Matheus e a Dira são amigos, irmãos. Tem um preço alto o cinema que faço. Eu queria muito poder pagar a grana que eles merecem, mas não tenho verba pra isso. Você acha que é fácil ser quem eu sou?” Nachtergaele dá de ombros ao cachê que recebe por tais produções. “Trabalhar com o Claudio é um momento de revisão da nossa trajetória. Um encontro para pensar e fazer o que entendemos sobre cinema”, explica. Para esse grupo, o diretor não tem excessos. Como diz o poema de João Cabral de Mello Neto, conterrâneo do diretor, “Uma faca só lâmina”.
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 Comentário No décimo livro da República, de Platão, a arte é relacionada à mentira, pois, segundo o filósofo, ela imita a aparência, sendo cópia da cópia, estando, por isso, a três longos passos da verdade. Mas como é impossível que se impeça alguém de nascer poeta, Platão vai sacrificar severamente os direitos do artista às exigências da sociedade, ameaçando de expulsão da cidade aqueles artistas que não empregarem apenas os meios necessários aos bons modos da República. Platão deseja que o Estado use a arte para modelar a alma dos seus cidadãos, por isso o trabalho artístico deve, segundo ele, ser supervisionado e controlado. Do contrário, é melhor que não exista.


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